Ergonomia, Fatores Humanos e Divinos

Em 1997 entrei para a Faculdade da Cidade (hoje UniverCidade) e iniciei minha graduação em Desenho Industrial. Apenas com 16 anos (faria 17 apenas no final daquele ano) a disciplina que mais me encantou – e ao mesmo tempo assustou – foi a Ergonomia.

Gráficos com inputs e outputs, nomes como Chapanis e Montmollin, palavras como usabilidade e leiturabilidade, construção de protótipos toscos (mas que sempre funcionavam) para testes formavam um universo tão novo e encantador que me aterrorizavam na hora das duras provas da professora rígida, que chegava para as aulas as vezes bastante sorridente e brincalhona, por outras extremamente mau-humorada e emburrada.

 Disciplina-chave do curso, vim a perceber com o tempo, a Ergonomia me marcou. Cheguei a pensar em dado momento se o design de produto (como veio a se chamar meu curso anos depois) faria sentido como uma faculdade isolada ou se não deveria ser apenas uma especialização do curso de ergonomia.

As coisas passaram a fazer sentido com o tempo ainda que eu tenha saído da faculdade direto para uma especialização em Design Gráfico. Tinha a ergonomia como uma aliada o tempo todo na escolha de um contraste de cores de texto de acordo com a mídia e o ambiente que aquela peça seria usada e até mesmo nos esquemas e fluxos exaustivamente estudados – e frequentemente mal-interpretados nas provas.

Trabalhei alguns anos com design gráfico até esbarrar em 1993 com uma palavrinha mágica: INTERNET. Desde este dia comecei a buscar informações, cursos e trabalhos relacionados. Em 2000 estava abrindo minha empresa, num espaço físico pequeno mas cheio de planos virtuais. Percebendo que o desenvolvimento web tomava um rumo equivocado – preocupações sempre com animações gratuitas e uma interface multicolorida – e incompleto, busquei refúgio novamente na Ergonomia. Precisava voltar a estudar aquela disciplina para entender a relação entre o homem e a máquina que estava entre ele e seu objetivo: a busca por informações. Trabalhando numa editora, cuidando de sites vanguardistas no assunto, IDG Now! e WebWorld, com visionários como Vicente Tardin, Rosane Serro, Tesla Coutinho, descobri que essa “questão” estava sendo batizada por um tal de Peter Morville de Information Architecture.

Não tive dúvidas de quem procurar: Anamaria de Moraes.

Lembro que em setembro de 2001, 10 anos depois de formada, bati em sua porta – e ela lembrou imediatamente de mim (e de meu apelido que ela havia dado na época da faculdade)! Radiante e empolgada, disse: “Ana, quero fazer um mestrado com você sobre Arquitetura da Informação”. Ela soltou uma sonora gargalhada e me ensinou, com uma enorme paciência e concisão, o que era uma pesquisa de mestrado e o que era o “recorte de uma pesquisa”...

Tinha exatos 29 dias para escrever um pré-projeto de um tema ainda muito amplo, já que as inscrições começariam no mês seguinte. Voltei a freqüentar suas bibliotecas – sua casa e suas memórias. Dessa vez quase acampando.

Com sua ajuda não apenas consegui dar entrada naquele prazo recorde, como cursei os dois anos do mestrado, descobri que ela e Stephania Padovani já estudavam este tema sob o nome de "zonas de salto" em 1998, participei de vários congressos, estudos, escrevi vários artigos, participei de um livro e trouxe para a prática de desenvolvimento web – principalmente em projetos de consultoria do escritório – metodologias como análise da tarefa, avaliação heurística, Bridge, cenários, personas etc.

Sempre buscando mais informações sobre design principalmente interativo, me deparei recentemente com o Design Thinking. Li sobre numa tradução “livre” do livro do fundador da IDEO de mesmo nome, onde Human Factors (na verdade a disciplina Ergonomia em inglês) foi traduzida como “fatores humanos” levando a uma interpretação literal e não científica do assunto. Lembrei de Ana e suas freqüentes queixas sobre a desvalorização da disciplina “que há mais de 50 anos se preocupa com a interação homem-máquina e só com a internet as pessoas descobriram isso”... Assisti a palestras e workshops onde as pessoas se apropriavam livremente de metodologias da ergonomia, sem citar Chapanis, Monmollin, Norman, Cooper ou a própria "de Moraes" e pareciam estar inventando a roda!!

O tempo passa rápido e recentemente, passados 8 anos, senti que precisava voltar a aprofundar meus estudos, agora num doutorado, para entender a experiência do usuário num universo cada vez mais rico de mídias e portabilidade trazendo novamente a luz da ergonomia.

Dessa vez, antes de aparecer, mandei um e-mail para Anamaria que me respondeu com um adorável “Ziiiiiilse!!!” Combinamos de nos encontrar para acertar os detalhes do estudo. Isso foi no final de 2011. Trabalho, tarefas, vida pessoal, o tempo sempre passa rápido e agora fatores divinos levaram minha “guru”. Me sinto órfã. Eu e todos os seus “pupilos”, como ela gostava de chamar.

Anamaria de Moraes vai fazer falta num mundo cada vez mais tecnológico e pouco humano. Vão fazer falta sua mente brilhante, seu olhar atento, sua perspicácia, suas dicas precisas, principalmente seu estímulo a pesquisa, sua insistência nos métodos, sua orientação aos mestres grandes autores e pesquisadores da Ergonomia. Mas tenho certeza que as sementes que ela plantou em seus alunos vão impactar sempre para que estudos ajudem a simplificar a vida das pessoas – essa sim, sua incansável busca ;.)

Comentários

Ana Paula Binder disse…
Depois de ler o seu post fico com pena de nunca ter cruzado com a Anamaria no mundo acadêmico. Parece que ela era uma dessas raras pessoas que te inspiram na busca para ser profissional cada vez melhor.

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